segunda-feira, 30 de junho de 2014

A História desenterra Treblinka


Treblinka era um dos argumentos preferidos dos que negavam o Holocausto. Os depoimentos dos sobreviventes e os documentos falavam de um campo de extermínio a uma hora e meia da capital polonesa, Varsóvia, mas no ponto indicado só havia uma ladeira verde, uma granja e um bosque. Nada a ver com as barras e as duchas de Auschwitz. Nunca haviam sido encontradas evidências da maquinaria do morte que exterminou de 700.000 a 900.000 judeus e um número indeterminado de ciganos. Nunca... até agora. Uma equipe daUniversidade de Staffordshire (Reino Unido), comandado pela arqueóloga forense Caroline Sturdy Colls, encontrou a primeira evidência física das câmeras de gás, alicerces e lousas, além de várias fossas comuns.
Sua investigação não é importante só porque demonstra a única prova tangível de que Treblinka não foi um mito, mas pelos meios empregados. Durante seis anos, explicava ontem ao EL PAÍS a doutora, foram feitos mapas computorizados e fotografias aéreas, além do uso de sofisticados GPS e georradares, inclusive um escaner a laser —chamado Lidar—, tudo para achar a prova de que havia terra removida e algum indício de obra antiga. É um processo que se assemelha ao empregado na Espanha para buscar algumas fossas da Guerra Civil, incluindo a do poeta e dramaturgo Federico García Lorca em Granada.
Embora os nazistas tenham feito um bom trabalho escondendo o campo, ocultando-o em uma inocente zona agrícola, derrubando os muros e nivelando o chão, os especialistas conseguiram detectar três zonas, bastante distantes entre si, nas quais começaram a cavar e encontraram os primeiros ossos humanos, muitos em um nível superficial e com estranhos cortes. Ainda não está claro o número de corpos localizados.
Depois vieram os alicerces, buracos tampados conscientemente com todo tipo de materiais que pertenciam às câmeras de gás. E também a descoberta mais macabra: lousas de cerâmica, finas, avermelhadas e de cor mostarda, com a estrela de David em relevo. Muitos sobreviventes já falavam desses desenhos, como se vê em seus relatos no Museu Yad Yashem de Jerusalém: a câmera de gás, contavam, estava disfarçada de mikvé, o banho ritual judeu, o que levava os homens e mulheres que chegavam a Treblinka a pensar que simplesmente iriam tomar banho. O símbolo sagrado do judaísmo na fachada desse edifício os ludibriava e fazia com que se sentissem seguros, confiantes... e enganados até o último momento. Foi assim durante os 24 meses que funcionou o campo, entre 1942 e 1943.
Graças às escavações, pôde-se desenhar um mapa do recinto, da trilha do trem à qual chegavam os judeus e ciganos —aos quais era dito que Treblinka só era uma zona de passagem, antes de ser deportados para o Leste, como lembra o professor Gideon Greif— até as duas câmeras das quais há restos, uma com capacidade para 600 pessoas e outra para 5.000, e o corredor ao ar livre pelo qual os dirigiam. Há depoimentos, não obstante, que falavam de até uma dezena de câmeras espalhadas pela zona. Em 60 minutos, os vivos passavam do trem à nudez e à morte, segundo indicam os arqueólogos no documentárioTreblinka: a máquina de matar de Hitler, divulgado pelo Smithsonian Channel, onde foi feita esta descoberta e inclui uma recriação do espaço.
A professora Sturdy Colls explica que seu maior desejo era o de ser respeitosa com a zona, convertida em local de homenagem às vítimas depois da Segunda Guerra Mundial e onde foram vetadas as escavações, por respeito.
A estimativa de mortos gira entre 700.000 e 900.000
Por e-mail, Sturdy Colls disse que convenceu os responsáveis pelo museu e o Grande Rabinato da Polônia de que sua técnica não invasiva não desrespeitaria os mortos e, ao mesmo tempo, daria respostas aos vivos. “A primeira vez que fui ali ficou claro para mim que havia uma abundância de evidências no terreno e que provavam que Treblinka foi um campo de extermínio, não de passagem. Ser capaz de confirma isso foi uma honra para mim. Tinha de fazer isso para que as gerações futuras aprendam”, indica a doutora, especializada em usar seus conhecimentos forenses com finalidades históricas, além de suas aulas universitárias e de suas colaborações com a polícia britânica. A zona escavada, enfatiza, ficou do mesmo jeito que estava quando a encontraram, com os monólitos de pedra que lembram as inumeráveis vítimas.
Sua técnica, continua, abre “novas possibilidades para o exame do Holocausto ou de outros lugares de conflito”, Por isso, planeja continuar indagando em outros cenários. Já fez isso, usando estes mesmos meios, em Staro Sajmiste (Belgrado) e nas ilhas do Canal do Reino Unido, com resultados positivos. Mas Treblinka é diferente, “especial”, pelo que significou para as vítimas, que agora podem ensinar ao mundo as pedras que viram e tocaram. Para mostrar as descobertas e os métodos empregados. Uma exposição e um livro com a trabalho da equipe de Staffordshire já está a caminho.



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