INTRODUÇÃO
Os contratos apresentam-se como uma das principais fontes de obrigações reconhecidas pelo direito, cuja origem remonta à antiguidade. Desde que o homem se conhece por um ser social e capaz de manifestar sua vontade, vínculos contratuais foram se aperfeiçoando.
O reconhecimento das obrigações que emanam da palavra ensejou a construção de normas jurídicas que disciplinam os efeitos e as consequências do acordo de vontades. Este regramento é, em essência, o objeto de estudo do direito dos contratos.
Dentre os instrumentos jurídicos criados com o intuito de compelir as partes ao cumprimento do contrato firmado, destacam-se as arras e a cláusula penal.
As arras constituem uma prestação (em dinheiro ou espécie), que indica um “sinal” de que as partes têm o íntimo propósito de concluir o contrato em que é prestada. Por exigir a entrega efetiva de algo, diz-se que a arras têm natureza real. Garante a continuidade do negócio, sendo que sua oferta não se vincula a uma violação contratual.
A cláusula penal, ao contrário, é uma condição pactuada que apenas produzirá efeitos na hipótese de descumprimento de alguma obrigação contratual. Visa, portanto, evitar que as partes deixem de cumprir o que fora pactuado.
Como se percebe as arras e a cláusula penal apresentam diferenças pontuais. Todavia, em razão terem em comum o objetivo de garantir o cumprimento de um contrato, são usualmente confundidas entre si.
Por tal razão, o breve estudo tem por fim elucidar, de forma objetiva, as principais diferenças de ambos os institutos, para que possam ser utilizados corretamente, garantindo a segurança jurídica ao acordo de vontades formalizado nos contratos.
1. DAS ARRAS
As arras constituem uma prestação em dinheiro ou outro bem móvel que objetiva sinalizar o comprometimento das partes na continuidade do contrato firmado, nos termos do art. 417 do Código Civil – CC.
Se prestadas em dinheiro, devem ser deduzidas no preço a ser pago pelo negócio, integrando o preço do negócio. Caso sejam prestadas em outro bem, devem ser restituídas quando do cumprimento do contrato.
Na formação do contrato garantido por arras, é possível que as partes pactuem, expressamente, o direito de arrependimento, embora tal possibilidade esteja cada vez em menor desuso. Deste modo, regra geral, não é possível desfazer o contrato firmado, por simples arrependimento. Para melhor compreensão, analisemos os efeitos das arras nas diferentes hipóteses em que pode ser pactuada, classificadas nas espécies que seguem.
1.1. Das espécies de Arras
1.1.1. Arras confirmatórias
As arras confirmatórias são prestadas para indicar o compromisso com o negócio firmado, no qual não se pactua o direito de arrependimento. Ou seja, não é possível a nenhuma das partes voltar atrás à palavra assumida. Em tais hipóteses, se a parte que prestou as arras não mais der continuidade ao contrato, a outra parte terá o direito de retê-las e, sendo o caso, pedir indenização suplementar. (art. 418 e art. 419 do CC.) Ou seja, as arras servirão de parâmetro mínimo de indenização por perdas e danos, sem prejuízo de a parte que não honrou o pacto ter que arcar com valor maior.
Se a inexecução e desfazimento do contrato for motivada por ato de quem recebeu as arras, aquele que as prestou poderá considerar desfeito o contrato. E, neste caso, terá direito de exigir a devolução das arras (seja em bem ou dinheiro), e pedir que o desistente pague o mesmo valor (art. 418 do CC), sem prejuízo de indenização suplementar por perdas e danos, nos termos do art. 419 do CC.
Chamam-se “confirmatórias” justamente por confirmarem o contrato, tornando-o definitivo entre as partes, de tal modo que sua inexecução garante uma indenização suplementar.
1.1.2. Arras penitenciais
Penitência é um conceito que introduz uma ideia de arrependimento. Com efeito, as arras penitenciais são típicas de contratos em que se firma o direito de arrependimento, sendo lícito às partes desfazerem o negócio, e voltarem atrás com a palavra proferida.
O valor dado em arras servirá para indenizar a outra parte, diante dos prejuízos e transtornos que lhe advirão em razão do arrependimento daquele que desistiu do negócio. Nesta hipótese, as arras serão perdidas por quem as prestou, ou devolvidas por quem as recebeu, em dobro do seu valor. (art. 420 do CC) Todavia, tendo as partes pactuado expressamente a possibilidade do desfazimento do negócio, pelo arrependimento, não será possível a outra parte pleitear indenização suplementar por perdas e danos, além do valor das arras – que é prestada justamente neste fim, nos termos do art. 420 do CC.
1.2. Do desfazimento do contrato sem culpa das partes
Em regra, a perda das arras e condenação a perdas e danos opera-se nas hipóteses de culpa de um dos contratantes. Em não havendo culpa, como por exemplo na hipótese de dificuldade financeira superveniente, a questão é controvertida nos tribunais.
A depender das provas nos autos e do pacto firmado entre as partes, é possível que, em algumas hipóteses a parte que entregou as arras e tenha que desistir do negócio, obtenha para si, o retorno das arras. Todavia tendo as partes expressamente convencionado que as arras serão perdidas na hipótese de desfazimento em situações previamente estabelecidas, tal regra deverá ser observada, em atenção aos princípios do pacta sunt servanda e da autonomia da vontade, ainda que inexistente culpa ou desinteresse injustificado da parte desistente.
2. DA CLÁUSULA PENAL
Se, como visto, a arras é prestada como indicativo de interesse no negócio, a cláusula penal é uma condição contratual a qual as partes obrigam-se na hipótese de violarem alguma outra obrigação assumida. Trata-se de obrigação de natureza acessória que tem por escopo inicial compelir as partes ao cumprimento do contrato ajustado. Não atingindo este fim, a cláusula penal terá dupla função: (i) indenizar a parte inocente ante os prejuízos decorrentes do inadimplemento de uma condição pactuada; e (ii) penalizar a parte infratora pela violação contratual.
Deste modo, conforme ao fim a que se destina, a cláusula penal classifica-se em compensatória ou moratória, conforme se passa a expor.
2.1. Espécies de Cláusula Penal:
2.1.1. Compensatória:
A cláusula penal compensatória visa indenizar a parte inocente diante do inadimplemento culposo de uma parte contratante, sendo devida independente de prova das perdas e danos sofridos (art. 408 e art. 416, caput, do CC). A grande vantagem desta cláusula é que, uma vez convencionada, o devedor do contrato fica obrigado a seu pagamento, que consiste em uma fixação estimada de perdas e danos. Ou seja, ainda que o prejuízo suportado seja inferior, ou inexista provas a respeito, a indenização é devida.
Por outro lado, se as perdas e danos havidos forem superiores ao valor pactuado na cláusula compensatória, o credor somente poderá exigir indenização suplementar se foi expressamente convencionado (art. 416, parágrafo único, do CC). Caso contrário, a indenização ficará restrita ao limite da cláusula penal compensatória.
Ressalta-se que nesta modalidade compensatória, se for convencionada que incidirá ainda que no caso de total inadimplemento, ao credor restará uma faculdade: cobrar a cláusula penal compensatória ou exigir o cumprimento do contrato. (art. 410 do CC) Optando por esta última, não poderá exigir a cláusula compensatória de perdas e danos, sendo cabível, apenas, uma multa moratória (para o caso de mora/ atraso no cumprimento da obrigação).
2.1.2. Moratória:
A cláusula penal moratória constitui-se em uma modalidade que incide na hipótese de inadimplemento parcial ou cumprimento retardado da obrigação. Incide nas hipóteses em que, embora atrasado, a prestação ainda revela-se útil para o credor, motivo pelo qual deve ser cumprida, acrescida apenas de uma “punição” pelo atraso. (art. 411 do CC).
Na estipulação da cláusula penal moratória é importante atentar-se às condições, à natureza e à finalidade do negócio jurídico, disciplinando as hipóteses de cumprimento parcial, e fixando-a em parâmetros razoáveis. Isso porque, mostrando-se excessiva diante da obrigação parcialmente cumprida, o juiz poderá reduzir o seu montante, nos termos do art. 413 do CC.
3. DA ASTREINTE
Existe, no direito pátrio, outro instituto que tem por objetivo garantir que uma parte cumpra uma obrigação, e que não se confunde com cláusula penal ou arras: são as chamadas “Astreintes”.
As astreintes são instrumentos do direito processual, cabíveis nas execuções em que se busca compelir o devedor a prestar uma obrigação de fazer ou não fazer, sendo em geral fixadas por dia de atraso. (art. 461, §§ 4º e 5º do CPC).
Não tem natureza indenizatória, sendo que seu maior propósito é servir de instrumento de pressão psicológica e econômica para que o devedor execute a obrigação que lhe fora determinada.
Diverge ainda da cláusula penal em razão de sua origem, tendo em vista que as astreintes são fixadas pelo juiz, com fundamento em previsão legal, não havendo que se falar em acordo de vontades sobre a sua existência.
CONCLUSÃO
A partir do breve estudo, percebe-se que o Direito atua para prestigiar a força da palavra, e compelir o seu cumprimento. Na seara contratual, as arras e a cláusula penal são os principais instrumentos para este fim. Em que pesem semelhantes objetivos, percebe-se que as arras e cláusula penal tem uma diferença elementar: enquanto as arras serão pagas por ocasião do pacto, ou seja, no momento da assinatura do contrato (ou dentro de um prazo que for estabelecido), a cláusula penal somente será devida se houver uma violação nas normas do contrato assumido.
O prejuízo decorrente da perda das arras somente será experimentado diante do arrependimento ou inexecução do contrato; todavia, o valor que a corresponde deve ser pago no início do ajuste, integrando o preço do negócio. O pagamento das arras não pressupõe uma violação contratual, sendo devida a partir dos ajustes iniciais do negócio.
A cláusula penal, ao contrário, não deve ser paga no início do contrato, e não integra o preço do negócio. É um ajuste assessório, que somente poderá ser invocado no caso de inadimplemento. Ou seja, é um condição que se estabelece não para observância inicial – tal qual as arras – mas para impor a fiel execução do contrato, ou a garantia de sua indenização.
O inadimplemento que enseja a imposição da cláusula penal não pressupõe necessariamente a extinção ou arrependimento do contrato: é possível que seja cobrado este valor, além da execução das obrigações do contrato. É o que ocorre, por exemplo, na compra e venda de imóvel em construção, com prazo certo para a entrega, que não vem a ser cumprido. Desejando o comprador em manter o negócio, poderá exigir, juntamente, a cláusula penal por descumprimento do prazo.
Conclui-se, portanto, que arras e cláusula penal são instrumentos jurídicos utilizados para estimular as relações econômicas, cada qual com uma função específica, razão pela qual devem coexistir nos ajustes de vontade, no intuito de promover e estimular a segurança jurídica nas relações contratuais.
Referência Bibliográfica
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. 28ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral do Contratos. São Paulo: Atlas, 2012.
Fonte http://jus.com.br
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