quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Estatuto Geral das Guardas Municipais: análise dos dispositivos da Lei nº 13.022/2014


INTRODUÇÃO

No dia 11 de Agosto de 2014, publicou-se no Diário Oficial da União a Lei nº 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais.
A referida lei consagra diversas atribuições às guardas municipais, tornando-as um importante órgão dentro do cenário da segurança pública de nosso país. Em verdade, o novel diploma positiva um papel que, na prática, já era prestado pelas guardas municipais em diversos rincões deste país, em que nem sempre o aparato estadual de polícia preventiva conseguia estar presente de forma satisfatória.
O presente artigo objetiva, sem esgotar a discussão do assunto, analisar os principais dispositivos trazidos pela lei em questão, especialmente em relação às atribuições atinentes à segurança pública preventiva, agora incumbidas também às guardas municipais.

1. O CONCEITO DE “PODER DE POLÍCIA” E AS DISTINÇÕES ENTRE POLÍCIA ADMINISTRATIVA E POLÍCIA JUDICIÁRIA

Para compreensão do tema, importante trazer a lume o conceito de “poder de polícia” apresentada pela Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem é “a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”[1].
Tal definição se encontra umbilicalmente ligada à função da polícia administrativa, a qual segundo Marinela[2], pode ser exercida por diversos órgãos da Administração Pública Direta e Indireta de direito público, aí se incluindo as Polícias Militares dos Estados, bem como diversos órgãos de fiscalização, tais como as Vigilâncias Sanitárias dos municípios.
Dentro da ideia de polícia administrativa acima conceituada, há que se falar em uma polícia administrativa stricto sensu, também denominada de polícia preventiva ou ostensiva, a qual, a grosso modo, visa a impedir a ocorrência de infrações. Este mister é incumbido, como regra geral, às Polícias Militares dos Estados.
De outra ponta, a polícia judiciária é de atuação repressiva, trabalhando após a ocorrência da infração penal, a fim de apurar autoria do ilícito, bem como constatar a materialidade deste, normalmente por meio do Inquérito Policial, o que, em regra, incumbe às Polícias Civis dos Estados.
Diante disso e como será a seguir analisado, visualiza-se que as Guardas Municipais, dentro da perspectiva do seu Estatuto, consolidam-se como órgão de polícia administrativa stricto sensu, uma vez que a elas incumbe o patrulhamento preventivo das vias municipais, de modo a impedir a ocorrência de infrações penais, em especial, aquelas que atentem contra o patrimônio municipal.

2. A SEGURANÇA PÚBLICA E AS GUARDAS MUNICIPAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Na Constituição da República, a segurança pública é tratada em capítulo exclusivo, que conta apenas com o artigo 144, o qual traz, em seus incisos, os órgãos que exercem a segurança pública em nosso país, como se vê abaixo, ipsis literis:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.”
Ressalte-se que o caput do dispositivo em tela atribui à segurança pública status de “dever de Estado”, impondo-a como direito e responsabilidade de todos, aí se incluindo todos os órgãos estatais, bem como a sociedade civil.
Assim, não há que se falar que o rol previsto nos citados incisos seja taxativo, possibilitando-se que outros órgãos, tais como as Guardas Municipais, também exerçam atribuições atinentes à segurança pública, já que esta é, consoante a própria redação constitucional, “dever de todos”.
Além disso, em relação às guardas municipais, há menção a elas no §8º do artigo em questão, o qual permite aos Municípios a sua criação, para proteção de seus bens, serviços e instalações, na forma que dispuser a lei
A posição topográfica do parágrafo em questão revela a clara intenção do constituinte em incluir as guardas municipais dentro do aparato de segurança pública estatal, respeitadas as atribuições dos demais órgãos, as quais são elencadas também no art. 144 da Constituição.
Assim, não se pode falar que o legislador infraconstitucional criou uma “nova polícia”, já que o próprio constituinte incluiu a guarda municipal dentro do sistema de segurança pública constitucional, em capítulo destinado para tal, como órgão com atribuições específicas. Não pode ser este o argumento utilizado pelos defensores da inconstitucionalidade do diploma legal em análise.
Destaque-se que o §8ª do art. 144 da Carta Maior, se trata, em nossa opinião, de norma constitucional de eficácia contida, com aplicabilidade direta e imediata enquanto não regulamentada[3], uma vez que, desde o advento da Constituição, foram criadas diversas guardas municipais país afora, as quais, até então exerciam a sua atribuição constitucional de proteção de bens, serviços e instalações municipais.
Entretanto, com o advento da Lei nº 13.022/2014, a mencionada norma constitucional passou a ser por aquela limitada, devendo a criação das guardas municipais, bem como o exercício de suas atribuições guardarem respeito ao novo diploma, baseando-se, a partir de agora, em seus parâmetros, o que passaremos a analisar a seguir.

3. ANÁLISE DOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS DO ESTATUTO GERAL DAS GUARDAS MUNICIPAIS

3.1. Disposições preliminares e princípios

Conforme estabelece o art. 1º, da Lei 13.022/2014, este diploma disciplina o dispositivo constitucional relacionado às guardas municipais, previsto no art. 144, §8º, da Constituição Federal.
Trata-se de norma geral, aplicável a todos as guardas municipais de nosso país, devendo os municípios, no entanto, quando da criação de suas guardas, estabelecerem normas específicas em lei municipal ou, caso já existam as respectivas corporações, adaptarem a legislação municipal ao Estatuto no prazo de 2 (dois) anos (art. 22, do Estatuto).
O art. 2º da lei em análise consagra o caráter civil das guardas municipais, estabelecendo ainda que são “uniformizadas e armadas”. Ainda, atribui a elas “a função de proteção municipal preventiva”, ressalvando-se as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal.
No art. 3º, o legislador infraconstitucional estabelece princípios mínimos de atuação das guardas municipais, os quais não devem ser aí encerrados, possibilitando-se ao legislador municipal, em nossa opinião, a criação de outros princípios, desde que respeitados os limites de atuação das guardas municipais, estabelecidos na Constituição e no Estatuto Geral. Do dispositivo, se destacam o patrulhamento preventivo – essencial para a adequada proteção do patrimônio municipal – e o uso progressivo da força – que segue padrões internacionais e, em casos extremos, faz-se necessário para o exercício das atribuições que serão abaixo analisadas.

3.2. Atribuições conferidas às guardas municipais

A nova lei trata ainda das “competências” atribuídas às Guardas Municipais – as quais serão tratadas, nesta abordagem, como “atribuições”, uma vez que o termo competência se relaciona ao exercício da jurisdição.
Para tanto, o legislador faz distinção entre atribuição geral e atribuições específicas das Guardas Municipais.
A primeira se relaciona à proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do Município, conforme estabelece o art. 4º do diploma analisado. Neste dispositivo, percebe-se que há quase reprodução do art. 144, §8º, da Constituição Federal.
No que diz respeito às atribuições específicas, estas encontram previsão nos incisos do art. 5º da Lei 13.022/2014, o qual, em seu caput, ressalva as atribuições dos órgãos federais e estaduais. Assim, não há que se alegar a existência de conflito entre as guardas municipais e os demais órgãos de segurança pública estatal, pois, as atribuições afetas às guardas não impedem o exercício das funções constitucionalmente incumbidas a outros órgãos, tais como as Polícias Militares dos Estados. Consequentemente, não pode ser este argumento utilizado para se obter a declaração de inconstitucionalidade do Estatuto.
A maioria das atribuições estabelecidas nos incisos do dispositivo em tela se relaciona diretamente com a proteção de bens, serviços e instalações municipais. Aqui, há que se fazer uma crítica ao legislador que, no intuito de esgotar as atribuições das guardas municipais, acabou por ser extremamente repetitivo, trazendo funções que se inserem, por via da interpretação, na atribuição geral prevista no artigo antecedente do Estatuto.
Entre as atribuições específicas, passamos a destacar algumas, que tendem a causar maiores polêmicas.
O inciso II estabelece ser atribuição das guardas “prevenir e inibir, pela presença e vigilância, bem como coibir, infrações penais ou administrativas e atos infracionais que atentem contra os bens, serviços e instalações municipais”.
Aqui, o legislador atribui, mais uma vez, às Guardas Municipais o zelo pelos bens, serviços e instalações municipais, o qual inclui a sua proteção contra lesão ou perigo de lesão de natureza penal e/ou administrativa.
No inciso seguinte, o legislador apontou ser atribuição das guardas municipais a atuação, preventiva e permanente, nos limites do município, “para a proteção sistêmica da população que utiliza os bens, serviços e instalações municipais”.
Neste ponto, o legislador se “atreveu” a, de algum modo, ampliar a proteção prestada pelas Guardas Municipais, estendendo-a, para além dos bens, serviços e instalações municipais, aos usuários destes, tornando obrigatória, em nossa opinião, a intervenção do guarda municipal quando necessária. Para tanto, podemos exemplificar da seguinte maneira: imaginemos que pacientes aguardam atendimento na sala de espera de um pronto socorro municipal, havendo ali guardas municipais responsáveis pela proteção do patrimônio municipal. Em determinado momento, ali adentra um indivíduo e, diante de um surto psicótico, passa a danificar os móveis do hospital, bem como a agredir os pacientes que ali aguardam atendimento. Antes do advento do Estatuto, a obrigação constitucional daqueles guardas municipais seria apenas de proteção ao patrimônio do município, não havendo qualquer exigência legal em relação à proteção dos usuários. Atualmente, entretanto, os guardas municipais devem intervir na ocorrência, de forma a proteger a população ali presente do ataque do incapaz, dentro das possibilidades fáticas. Caso não ajam assim, suas omissões serão consideradas penalmente relevantes, uma vez que, com o Estatuto, passaram a ter o dever legal de proteção daqueles usuários, respondendo, pois, pelo crime cometido pelo agressor, na modalidade omissiva imprópria, como estabelece o art. 13, §2º, do Código Penal. Tornaram-se, pois, garantes, à luz do Direito Penal. Para tanto, os integrantes das guardas municipais podem utilizar o uso progressivo da força, dentro de padrões preestabelecidos e conforme estabelecem os princípios mínimos previstos no Estatuto.
Ademais, na hipótese aventada, seria desarrazoado admitir que os guardas municipais, na posição de agentes públicas armados, apenas protegessem o patrimônio do município, ficando ao critério dos próprios a decisão de intervir ou não no ocorrido, podendo deixar ao relento os cidadãos vitimados.  O que muda, a partir de agora, é que os guardas municipais passam a ter o dever legal de proteção em relação aos cidadãos usuários de bens, serviços e instalações municipais, sob pena de responderem penalmente por sua omissão.
Por fim, não há que se falar em inconstitucionalidade do dispositivo em tela, sob a possível alegação de ampliação indevida do conteúdo constitucional, já que a Carta Maior limitaria a proteção das guardas municipais somente aos bens, serviços e instalações municipais. Trata-se, em verdade, de desdobramento natural do dever de proteção do patrimônio municipal, que passa a incluir também aqueles que fazem uso do aparato administrativo do município.
Aliás, se a exigência de proteção dos usuários pode advir até mesmo de contrato celebrado pela Prefeitura, qual o óbice em inclui-la nas atribuições dos guardas municipais, agentes públicos, por vezes armados? Explicamos: suponhamos que a prefeitura de determinado município, que não possui Guarda Municipal, celebre com uma empresa contrato de prestação de serviços de segurança privada, alocando agentes no mesmo pronto-socorro municipal, e que, em um das cláusulas, conste que entre as obrigações da contratada se inclui a proteção do patrimônio municipal e da vida dos usuários, estando os seguranças contratados cientes de seu dever contratual. Ora, daí se verifica que, sob o ponto de vista penal, os seguranças se tornaram garantes e, em caso de omissão, também respondem nos termos do art. 13, §2º, do Código Penal. Também, no mesmo sentido, o guarda-vidas terceirizado contratado pela Prefeitura para proteção dos usuários de uma escola de natação pertencente ao município.
Portanto, no exemplo narrado anteriormente, não seria razoável exigir do Guarda Municipal a proteção apenas do patrimônio, deixando a tutela da vida do usuário aos demais órgãos de segurança pública.
Dando continuidade à análise dos dispositivos, verifica-se que os incisos IV e V consagram, respectivamente, a integração das forças municipais com os demais órgãos de segurança pública, para a realização de ações conjuntas e a colaboração na pacificação de conflitos que os integrantes das guardas presenciarem.
Possibilita-se, ainda, conforme estabelece inciso V, o exercício de atribuições de trânsito pelos guardas municipais, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro ou de forma concorrente, mediante convênio com o órgão de trânsito estadual ou municipal.
Nos demais incisos, menciona-se, mais uma vez, a proteção do patrimônio municipal; a colaboração com os demais órgãos de defesa civil; a interação com a sociedade civil para discussão de problemas e projetos locais relacionados à segurança; a celebração de parceria com outros órgãos, mediante convênios e consórcios, com vistas à realização de ações preventivas integradas; a articulação com órgãos municipais de políticas sociais, visando à adoção de ações interdisciplinares de segurança no município; a integração com os demais órgãos de poder de polícia administrativa, para fiscalização de posturas e ordenamento urbano municipal, entre outros aspectos.
Ainda, as Guardas Municipais devem garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas, como se vê na redação do inciso XIII. Para tanto, o Estatuto estabelece, em seu art. 17, que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) destinará linha telefônica de número 153 e faixa exclusiva de frequência de rádio aos Municípios que possuam guarda municipal.  
O inciso XIV também aumenta a responsabilidade dos guardas municipais, positivando, entretanto, algo já consagrado na prática. O guarda municipal que se deparar com situação de possível flagrante delito, deverá encaminhar o suposto autor à presença do delegado de polícia, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário.
Como é sabido, o art. 301 do Código de Processo Penal possibilita que “qualquer do povo” proceda a prisão-captura de quem quer seja encontrado em flagrante delito. Aqui, se tem denominado flagrante facultativo, uma vez que o cidadão “comum” pode prender em flagrante quem esteja nesta situação, não havendo qualquer consequência para si caso se omita e não proceda à prisão e condução do indivíduo à Delegacia de Polícia.
De outro lado, as autoridades policiais – ou seja, os delegados de polícia – e seus agentes – aqueles integrantes de qualquer órgão de segurança pública – têm a obrigação de proceder à prisão-captura de indivíduos que se encontrem em flagrante delito, encaminhando-os, de imediato, para a Delegacia de Polícia a fim de que o delegado de polícia delibere acerca da prisão-captura, formalizando ou não o auto de prisão em flagrante delito.
Antes do Estatuto em análise, os guardas municipais não possuíam qualquer obrigação legal de procederem à captura de indivíduos em flagrante delito, inexistindo qualquer consequência em relação a sua omissão. Isso também soa inadmissível, principalmente aos olhos do cidadão, ao ver um agente público uniformizado e armado se omitir diante de situação tão grave que é o cometimento de uma infração penal.
Ocorre que, com o advento do Estatuto, valendo-se de interpretação conforme a Constituição, o legislador alçou os guardas municipais a categoria de “agentes da autoridade”, passando estes a estarem obrigados à captura do agente flagrado no cometimento de infração penal, encaminhando-o imediatamente ao delegado de polícia. Ainda, passou a exigir a preservação do local do crime, quando necessário e sempre que possível. Caso os guardas municipais assim não ajam, poderão incorrer, a depender do caso, no crime de prevaricação ou responderem por crime omissivo impróprio, como vimos anteriormente.
Importante ressaltar a preocupação que teve o legislador em evitar qualquer tipo de “conflito” de atribuições entre as guardas municipais e as demais forças de segurança, estabelecendo, no Parágrafo único do artigo de lei em análise, que, no atendimento de ocorrências emergenciais e quando da prisão-captura de agentes em flagrante delito, comparecendo outros órgãos de segurança, como a Polícia Militar, deverá a guarda municipal prestar todo o apoio à continuidade do atendimento. No mesmo dispositivo, trouxe a possibilidade de atuação conjunta ou em colaboração com os demais órgãos de segurança pública, inclusive com as guardas de municípios vizinhos.
Por fim, o legislador estabeleceu outras atribuições, a saber: a contribuição no estudo de impacto na segurança local, conforme plano diretor municipal, por ocasião da construção de empreendimentos de grande porte; o desenvolvimento de ações de prevenção primária à violência; o auxílio na segurança de grandes eventos e na proteção de autoridades e dignatários; e a atuação mediante ações preventivas na segurança escolar.
Como se vê, as atribuições imputadas às Guardas Municipais foram especificadas no Estatuto, guardando, como regra geral, conexão com a sua função constitucionalmente prevista, a saber, a proteção de bens, serviços e instalações municipais (exemplos: art. 5º, I, II e III, do Estatuto).
De outra ponta, a despeito de entendimentos contrários que defendem a inconstitucionalidade do Estatuto, verifica-se que as atribuições que não guardam uma relação direta e imediata com a função constitucional das guardas municipais são sempre por elas realizadas em regime de colaboração com os demais órgãos de segurança pública (exemplos: art. 5, IV, XIII e XIV c/c Parágrafo único, in fine, do Estatuto).
Ainda, como já dissemos, o caput do art. 5º ressalva que a guarda municipal, no exercício de suas atribuições, deverá respeitar as competências dos órgãos federais e estaduais. Assim, não podem prosperar os argumentos pela inconstitucionalidade do Estatuto, os quais, por vezes, possuem como pano de fundo a vaidade de integrantes de outros órgãos de segurança pública.

3.3. Criação das guardas municipais e requisitos para investidura no cargo

O Estatuto trouxe, em seus artigos 6º a 9º, regras gerais para a criação das guardas municipais.
Num primeiro ponto, o diploma em análise estatui que o município pode criar a sua guarda municipal. Assim, inexiste obrigação para tanto, tratando-se de opção política dos administradores municipais. Entretanto, caso isto ocorra, deverá se fazer por lei, estando a Guarda Municipal subordinada ao Chefe do Executivo Municipal.
Ainda, são estipulados limites quantitativos de efetivo, baseados na população do município, garantindo-se, todavia, a manutenção do efetivo existente em caso de redução populacional.
Possibilita-se também, mediante consórcio público intermunicipal, que cidades limítrofes utilizem reciprocamente os serviços da guarda municipal de maneira compartilhada.
Finalmente, impõe que as guardas municipais sejam formadas por servidores públicos integrantes de carreira única e plano de cargos e salários, conforme disposto em lei municipal.
O art. 10 apresenta requisitos mínimos para investidura no cargo público de guarda municipal, os quais são de observância obrigatória, não excluindo, no entanto, que lei municipal estabeleça outros requisitos (art. 10, Parágrafo único).

3.4. Capacitação dos integrantes das guardas municipais

A matéria em questão é tratada nos artigos 11 e 12 do Estatuto, os quais estabelecem que o exercício das atribuições da guarda municipal requer capacitação específica, com matriz compatível com suas atividades. Permite, para tanto, a adaptação da matriz curricular nacional para formação em segurança pública elaborada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, o que demonstra, mais uma vez, o reconhecimento das guardas como integrantes do aparato de segurança pública.
Faculta ao município a criação de órgão de formação, treinamento e aperfeiçoamento dos integrantes de suas respectivas guardas, com base nos princípios norteadores mencionados no Estatuto, autorizando ainda a celebração de convênios ou consórcios para tanto.
Por fim, possibilita que os Estados, mediante convênio com seus municípios, mantenham órgão de formação e aperfeiçoamento centralizado, ressaltando-se, contudo, que este não pode ser a mesma instituição destina à formação, treinamento ou aperfeiçoamento de forças militares, consagrando, mais uma vez, a natureza civil das guardas municipais.

3.5. Controle externo e interno das guardas municipais

O Estatuto estabeleceu mecanismos de controle interno e externo das guardas municipais, de modo a se fiscalizar e auditar o seu adequado funcionamento.
O controle interno das guardas municipais deve ser exercido por corregedoria própria, naquelas corporações que tenham efetivo superior a 50 (cinquenta) servidores, bem como em todas aquelas que utilizam armas de fogo, objetivando a apuração das infrações disciplinares atribuídas aos integrantes de seu quadro. Entendemos não haver óbice quanto à criação das corregedorias nas guardas municipais que possuam menos de 50 (cinquenta) integrantes, em especial em razão do princípio constitucional da eficiência (art. 13, I, Estatuto).
Destaque-se que, para o exercício das atribuições corregedoras, as guardas municipais terão códigos de conduta próprios, conforme disposto nas respectivas leis municipais, não podendo, todavia, submeterem-se a regulamentos disciplinares de natureza militar (art. 14 e seu Parágrafo único, Estatuto).
De outro lado, a denominada ouvidoria deve se responsabilizar pelo controle externo, possuindo independência em relação à direção da respectiva guarda. Como se depreende do texto do Estatuto, esta deverá ser criada em relação a todas as guardas municipais, independentemente do número de integrantes ou da utilização ou não de arma de fogo. Suas atribuições se limitam ao recebimento, exame e encaminhamento de reclamações, sugestões, elogios e denúncias acerca da conduta dos dirigentes e integrantes das guardas e de suas atividades, propondo soluções, oferecendo recomendações e informando os resultados aos interessados, garantindo-lhes orientação, informação e resposta (art. 13, II, Estatuto).
Importante sublinhar que os corregedores e ouvidores exercerão mandato, ou seja, tais funções devem ser exercidas temporariamente por seus titulares. Ademais, a perda do mandato somente poderá ocorrer por decisão da maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal, fundada em razão relevante e específica prevista em lei municipal (art. 13, §2º, Estatuto).
Ainda, o Poder Executivo municipal poderá criar órgão colegiado para exercer o controle social das atividades de segurança do Município, analisar a alocação e aplicação dos recursos públicos e monitorar os objetivos e metas da política municipal de segurança e, posteriormente, a adequação e eventual necessidade de adaptação das medidas adotadas face aos resultados obtidos.  Trata-se, mais uma vez, de faculdade do município, não havendo obrigatoriedade na criação do referido órgão colegiado (art. 13, §1º, Estatuto).
Em nossa opinião, a despeito do silêncio do legislador, cabível também o controle externo das atividades das guardas municipais por parte do Ministério Público, desde que isto ocorra na forma da lei complementar organizatória do parquet e nos termos do art. 129, VII, da Carta Maior, tendo em vista se tratarem as guardas municipais de órgãos integrantes do aparato de segurança pública estatal, conforme já delineado exaustivamente neste trabalho.

3.6. Prerrogativas, vedações, representatividade e disposições finais

Estabelece o art. 15 do Estatuto que os cargos em comissão das guardas municipais deverão ser ocupados por membros efetivos do quadro de carreira do órgão, possibilitando, entretanto, que, nos 4 (quatro) primeiros anos de funcionamento, a guarda municipal seja dirigida por profissional estranho aos seus quadros, preferencialmente com experiência ou formação na área de segurança ou defesa social, de modo a tornar mais técnica a atuação das guardas (art. 15, §1º)
A lei geral em análise atribui às leis municipais a definição de percentual mínimo de integrantes da guarda municipal do sexo feminino em todos os seus níveis de carreira (art. 15, §2º). Deverá ser garantida ainda a progressão funcional da carreira em todos os níveis (art. 15, §3º).
Questão polêmica reside na autorização para o porte de arma de fogo aos integrantes das guardas municipais. O art. 16 autoriza o mencionado porte de arma, conforme previsto em lei. Deste modo, em sendo a Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), o diploma legal regulamentador do porte de arma de fogo no Brasil, a disciplina não sofreu alteração com o advento do Estatuto das Guardas Municipais.
Assim, o art. 6º do Estatuto do Desarmamento, em seus incisos III e IV, permite o porte de arma de fogo por guardas municipais, fora de serviço, nos municípios com população com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes e, em serviço, naqueles com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes. Ainda, o §7º estende a autorização de porte de arma de fogo em serviço para municípios integrantes de região metropolitana, mesmo aqueles com população inferior a 50.000 mil habitantes. Portanto, se o município não se encaixar nas três hipóteses acima elencadas, fica proibido o porte de arma de fogo pelos integrantes de suas guardas municipais, a despeito de eventuais polêmicas que serão instauradas na doutrina.
O Parágrafo único do art. 16 do Estatuto das Guardas possibilita a suspensão do porte de arma de fogo em razão de restrição médica ou decisão judicial e, ainda, por justificativa da adoção da medida pelo respectivo dirigente da guarda.
Entre as prerrogativas dos integrantes das guardas municipais, estabeleceu o legislador uma espécie de prisão especial, assegurando ao guarda o recolhimento à cela isoladamente dos demais presos, quando sujeito à prisão antes de condenação definitiva. Isto objetiva, sem sombra de dúvidas, evitar o contato do guarda municipal com infratores que, eventualmente, tenham sido por ele capturados em momento anterior, de modo a preservar a sua integridade física e moral (art. 18, Estatuto).
Reafirmando o caráter civil das guardas municipais, o art. 19 estatui que a estrutura hierárquica da guarda municipal não pode utilizar denominação idêntica à das forças militares, quanto aos postos e graduações, títulos, uniformes, distintivos e condecorações.
O Estatuto reconhece a representatividade das guardas municipais no Conselho Nacional de Segurança Pública, revelando, mais uma vez, estarem elas inseridas entre os órgãos de segurança pública previstos na Constituição. Os guardas também comporão o Conselho Nacional das Guardas Municipais e, no interesse dos Municípios, o Conselho Nacional de Secretários e Gestores Municipais de Segurança Pública (art. 20).
Ainda se estabelece uma padronização de uniforme e equipamentos, os quais deverão ser, preferencialmente, na cor azul-marinho (art. 21).
Por fim, ressalte-se que o Estatuto não possui vacatio legis, entrando imediatamente em vigor, devendo as guardas municipais se adaptarem às suas disposições no prazo de 2 (dois) anos (arts. 22 e 23).

CONCLUSÃO

Com a entrada em vigor da Lei 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, estes órgãos consolidaram o seu status de integrantes do aparato de segurança pública, o que já se encontrava consagrado no cotidiano policial e previsto constitucionalmente, em capítulo especialmente destinado à segurança pública.
Eventuais argumentos com o fito de ver declarada a inconstitucionalidade do Estatuto em análise não merecem prosperar, uma vez que, conforme demonstrado, as atribuições especificadas no novel diploma legal guardam direta e imediata relação com aquelas constitucionalmente estabelecidas. Aquelas que não mantêm esta subsunção direta são realizadas em regime de colaboração com os demais órgãos de segurança pública, tais como as Polícias Militares, respeitando-se ainda as atribuições originárias destas instituições.
Neste momento de aparente transição, incumbe aos municípios adaptarem as suas guardas municipais ao regime estabelecido pelo Estatuto recém-sancionado. Também, não se pode olvidar da necessidade em bem preparar estas organizações para que possam continuar auxiliando no combate à criminalidade, ao lado dos demais órgãos de segurança pública, trazendo paz social às comunidades em que atuam.

REFERÊNCIAS

ALENCAR, Rosmar Rodrigues; TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 8ª edição.  Salvador: Juspodivm, 2013.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. Resumo Esquematizado sobre a Lei 13.022/2014 (Estatuto Geral das Guardas Municipais). Disponível em: . Acesso em: 15.ago.2014.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 7ª edição. Niterói: Impetus, 2013.
MASSON, Cleber. Direito Penal – volume 1: Parte Geral. 7ª edição. São Paulo: Método, 2013.

Notas

[1] Direito Administrativo, p. 94.
[2] Direito Administrativo, 7ª edição, p. 238.
[3] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado – 7ª edição, páginas 234-235.


Fonte: JusNavigandi

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